segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

4. A ameaça

Corto Maltese, Hugo Pratt

Mal passei a porta, vi-o. Atrás de uma secretária enorme, impecavelmente arrumada, observava-me recostado no cadeirão. "Entre, entre. Não lhe ofereço uma cadeira, porque não temos. Quero ver se arranjamos umas massas para irmos aos saldos da IKEA. De qualquer modo, não o vou demorar muito". Não lhe conseguia ver as feições, porque estava em contraluz, à frente de uma janela enorme, mas a voz era inconfundível. "É para mim uma honra, Grande Chefe"- cumprimentei, fazendo uma ligeira vénia. Com um gesto, mandou-me aproximar, podendo então ver que, à sua frente, tinha dois grossos volumes de exercícios de Sudoku. "Um espírito racional"- concluí. "Caro professor, temos fundados motivos para acreditar estarmos a ser alvo de um ataque por parte de potências inimigas. Não... nada de tirinhos, ou aviões contra o Estádio da Luz. Um ataque muito mais subtil, logo perigoso, que visa controlar a mente das gerações jovens”. A luz que entrava pela janela, feria-me a vista, obrigando-me a semicerrar os olhos. “Ó homem, se eu estiver a ir muito depressa, diga. Mas o que se passa é que sabemos haver agentes infiltrados em diversos serviços e, sobretudo, nas escolas, para levar avante tão maquiavélico plano. O seu objectivo é tornar os nossos jovens pessoas cheias de dúvidas, pouco dadas a cumprir ordens, sem confiança nas instituições, para desse modo enfraquecerem a autoridade e facilmente tomarem conta do País. Ora, o sintoma de que um jovem começa a ser dominado pelos métodos dos nossos inimigos é... ter más notas a Matemática”. Já não conseguia suportar a intensa luminosidade e duas ou três lágrimas correram-me pela face. “Percebo a sua comoção, caro professor. Afinal de contas, aqueles tipinhos que nem pelos dedos sabem contar e que você pensava serem uns completos anormais, mais não são do que inofensivas vítimas de potências estrangeiras. Pois é. Mas não se preocupe. Temos um plano. O PUM!”. “O PAM, Grande Chefe”. Só então reparei que a zelosa funcionária estava atrás de mim. “PUM ou PAM, pouco importa. Pim, pam, pum, foi como a malta da propaganda lhe escolheu o nome. Mas, ó Aurora, explique lá ao nosso professor o significado da sigla”. A mulher avançou, colocando-se mesmo ao meu lado, ostentando uns óculos escuros Dolce & Gabbana. “Plano de Acção da Matemática”- disse.

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