quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

1. O primeiro contacto

Milton Cannif
Sempre disse que passamos a vida a convencer pessoas a irem ao nosso funeral, no entanto, há indivíduos com quem embirro e não estou minimamente interessado em saber o que pensam a meu respeito. Se puder garantir que morram antes de mim, tanto melhor, mas não tenho a mínima intenção de ir ao funeral deles. Atenção que não se trata de um repente emotivo- se me conhecessem sabiam que não sou pessoa para isso. Trata-se de uma avaliação rigorosa da personalidade, associada a uma cuidada observação com as mais reconhecidas técnicas da antropometria. Mas... adiante. Um desses tipos, é um imbecil de um professor de História da minha escola. Para quem se contente com análises superficiais, nada há a opor ao indivíduo. Mesmo comigo, sempre se mostrou simpático e educado, nunca manifestando o mais pequeno sinal de agressividade. O que é certo é que há muito penso que gajos de História são todos perigosos e o desenrolar dos acontecimentos viria a dar-me razão. Muita filosofia, muita subjectividade... enfim, gente de pouca confiança.

Quando ía a entrar na sala de professores, aconteceu cruzar-me com o tipo. Fez-se de simpático, abriu a porta e deu-me passagem. Disse-lhe secamente que não entrava e evitei conversas. Foi essa coincidência que me fez dar de caras com a telefonista que me disse "choutour, tem ali dois senhores que querem falar consigo". Estranhei, até porque não sou director de turma, pelo que estou safo de aturar papás individualmente e, sobretudo, aos pares. Logo pensei que devia ser alguém de uma qualquer editora e até pensei "calha bem porque estou a precisar de uma agenda nova".

Quando vi os sujeitos, fiquei de pé atrás. Gabardine com gola subida, óculos escuros, ar de permanente alerta. Rapidamente avaliei a situação, mas não encontrei motivo para tão estranho encontro. Tinha a renda de casa em dia, estava paga a mensalidade à minha ex-mulher, há muito tempo que não insultava nenhum vizinho...Cobranças de dívidas ou polícia, estava fora de questão. "Bom dia"- apresentei-me. Sem quaisquer rodeios, perguntaram-me se podia provar ser quem sou, o que me fez suspeitar estar a ser alvo de algum exercício da Olimpíada da Matemática. Sorri. Mas, quando comecei a apresentar o meu raciocínio, interromperam-me bruscamente, ordenando para lhes mostrar o Bilhete de Identidade. Comecei a ficar preocupado. Enquanto procurava a carteira, voltei a fazer a revisão dos últimos tempos da minha vida com uma concentração tal que quase deixava passar a entrada da professora de Francês. Que mulher! Enquanto lhes estendia o BI, reparava no corte das calças, justas que baste para evidenciar a elegância das pernas, na cintura fina... “Vai ter que nos acompanhar”- disseram. Aí afinei. Não se apresentam, exigem ver a minha identificação e ainda me ordenam para os acompanhar. “Pois. Nós percebemos. A tipa é boa como o milho, mas não temos tempo a perder. O Grande Chefe quer falar consigo”. É lá! Uma convocatória do Grande Chefe não era coisa que se desrespeitasse. “Mas eu não entreguei o plano de aula para ser substituído”- argumentei. “Deixe-se de mariquices, que o Grande Chefe está à espera”. Saímos em passo acelerado, mas ainda pude ver como a professora de Francês sorria para o tipo de História. Não havia qualquer dúvida: aquele gajo não era boa rês.

1 comentário:

António Luís Catarino disse...

Soberbo! pura e simplesmente soberbo! Parabéns pela verve.